Vanessa da Mata
Vanessa da Mata carrega a inquietude e a exuberância dentro de si. São traços de uma artista de múltiplos talentos, lapidados desde muito jovem. Com mais de 20 anos de carreira, essa mato-grossense de Alto Garças é dona de uma personalidade forte e cativante. Ela não se furta a expor questões sensíveis que habitam o seu universo. Vanessa trata com franqueza e afetividade os temas que movimentam sua vida e obra: o pós-feminismo, a maternidade – ela é mãe de três filhos –, paixões e desencontros amorosos, a negritude e a luta por uma sociedade menos desigual.
Esse rico caldeirão de referências ganha formas nítidas na música, na literatura e na pintura. A trajetória de Vanessa é singular e plural ao mesmo tempo. Aos 15 anos, ela já cantava em bares de Uberlândia (MG), onde passou a morar depois de sair de casa. Aos 16, foi para São Paulo e integrou o grupo feminino de reggae Shalla-Ball. O seu talento autoral foi reconhecido no meio artístico quando ela tinha 21 anos. Vanessa conheceu Chico César em 1997 e, com ele, compôs “A força que nunca seca”. A música foi gravada por Maria Bethânia, que deu esse título ao seu disco de 1999. A canção concorreu ao Grammy Latino e também foi incluída no CD de Chico, Mama Mundi.
A partir daí, Vanessa não parou mais. Bethânia gravou outra música dela: “O Canto de Dona Sinhá” — com participação de Caetano Veloso – e em sua versão ao vivo. Já Daniela Mercury incluiu “Viagem” em seu álbum Sol da Liberdade. Com Ana Carolina compôs “Me Sento na Rua”, do disco Ana Rita Joana Iracema e Carolina (2001). A voz e a presença de Vanessa chamavam a atenção do público. Ela fez participações em shows de Milton Nascimento, Bethânia e Baden Powell. Em 2002, ao lançar o primeiro CD, Vanessa da Mata, o seu trabalho já era 100% autoral. Entre os sucessos, estavam “Nossa Canção” (trilha sonora da novela Celebridade), “Não me Deixe só” – que sacudiu as pistas de dança em versão remix – e “Onde Ir” (trilha da novela Esperança).
O grande estouro veio dois anos depois com Essa Boneca Tem Manual, disco produzido por Liminha, que trouxe o megahit "Ai ai ai...". As dores de amor e os desencontros também habitam as canções de Vanessa. O melhor exemplo disso é “Boa Sorte / Good Luck”, de 2007, escrita em parceria com o cantor americano Ben Harper. Até hoje é uma das canções mais executadas de Harper no mundo – e também uma das preferidas de Joe Jonas (do Jonas Brothers), fã confesso da artista brasileira.
O trabalho autoral de Vanessa traz uma vasta relação de parceiros. Um deles é Gilberto Gil, com quem compôs "Quando amanhecer". A letra ("Quando amanhecer / será para iluminar você"), escrita por Vanessa, dialoga com "Estrela", que o compositor baiano lançou em 2007 ("Há de surgir/ Uma estrela no céu cada vez que você sorrir").
Vanessa também se dedicou à literatura. Em 2013, após divulgar um disco em homenagem a Tom Jobim, a cantora lançou seu primeiro romance, "A filha das flores" (Companhia das Letras). O livro conta a história de Giza, menina que vive com a família em uma cidade do interior, onde cultiva e vende flores. "Quando eu começo a escrever não consigo parar. Tive um despejo de ideias muito intenso", disse ela no lançamento da obra. Na mesma época, Vanessa descobriu as delícias da maternidade. Em 2013, ela adotou os irmãos Bianca, Felipe e Micael, que tinham então 5, 6 e 8 anos, respectivamente. "No Brasil ainda é um tabu enorme adotar uma criança crescida”, disse ela. "Na minha família sempre foi natural adotar; minha avó materna adotou 20 crianças ao longo da vida".
Durante a pandemia, Vanessa deu vazão a outro talento: a pintura. Em pleno confinamento, passou cinco meses em Alto Garças na casa da mãe. Ao todo, pintou mais de 30 telas. O trabalho recebeu elogios no meio artístico e até um convite para expor em Paris. Como se não bastasse, ela também encontra tempo para o teatro. Em agosto de 2024, a artista fez sua estreia como atriz, interpretando Clara Nunes no musical “Clara Nunes – A Tal Guerreira”. Idealizado pela própria artista, reúne texto de André Magalhães e Jorge Farjalla, que também assina a direção.
Ao longo de sua trajetória, Vanessa sempre conviveu com o racismo. Filha de pai branco e mãe preta, ela percebeu desde cedo a discriminação racial e de gênero, vinda de pessoas muito próximas. “Quando você tira a história das pessoas, a origem, tudo, você tira também a autoestima”, revelou. Ela foi a primeira na sua família a dizer que “nós somos pretos”. Os cabelos crespos são parte dessa ancestralidade que Vanessa faz questão de preservar.
Em defesa das mulheres, a cantora se identifica como pós-feminista. Vinda de uma família repleta de mulheres fortes e dona do seu próprio destino, é natural que seja assim. “Eu já tenho os meus direitos. Minha avó alimentava uma família inteira. Ela era o alicerce da casa, a mulher que fazia tudo. Eu cresci dessa mulher extremamente forte. Sou uma herdeira disso”, conta.
Atualmente, Vanessa segue rodando pelo Brasil com a turnê de seu disco mais recente: “Vem Doce”. Dirigido por Jorge Farjalla, o concerto divide-se em três atos e revisita toda a trajetória pessoal e artística da intérprete. Com a mistura de novas canções, de clássicos da MPB e de sucessos atemporais, a artista traz uma perspectiva reimaginada da sonoridade em conjunto com o ambiente criativo do projeto. Vanessa segue trilhando seu caminho de luz, com a força de uma guerreira e um brilho incomum.